terça-feira, 25 de novembro de 2008

Humanização do Ambiente Hospitalar

Muito se tem falado sobre a humanização do ambiente hospitalar e seus benefícios desde a popularização do tema com a exibição do filme Patch Adams – O Amor é Contagioso - protagonizado por Robin Willians e que conta a história de Patch Adams, um médico que decidiu fugir às regras do frio sistema de saúde americano e da divinização da figura do médico. Esse problema também ocorre no brasil e algumas poucas ações de efeito foram feitas até agora para uma mudança neste quadro por aqui. As raras ações humanizadoras normalmente se dão através do trabalho de grupos de profissionaiscomo o dos Doutores da Alegria, que leva até os pacientes e funcionários dos hospitais brincadeiras circenses adaptadas às suas rotinas. Um trabalho louvável, que tem efeito benéfico comprovado na aceleração da recuperação dos doentes e acidentados, bem como a diminuição dos níveis de estresse dos funcionários como mostram pesquisas. Seguindo uma linha parecida da dos Doutores da Alegria está o trabalho do Grupo Viva e Deixe Viver que além de brincadeiras com fantoches e algumas palhaçadas, enfatiza a leitura de livros aos pacientes com contações de histórias, leitura de poesias e etc. Este trabalho, feito com apoio de voluntários, tem se expandido e hoje, uma década depois da criação do grupo, já leva seu trabalho a 65 hospitais e casas de apoio para 17 municípios de sete estados.
Em seu Centro de Contação de Histórias mais de 700 voluntários já foram treinados e são responsáveis pela doação de mais de 100 mil horas de trabalho assistencial para mais de 200 mil pacientes, em sua grande maioria crianças.
Na cidade de Itu, Claudia Ferreira, 33 , conhecida como A-tchim-bum, faz este trabalho voluntário desde 2002, quando entrou em contato pela primeira vez com Luciana Bernardo (hoje presidente do grupo Viva e Deixe Viver) através do Doutor Safi, médico generalista, plantonista do Sanatorinhos, antiga Santa Casa de Itu, e que é um dos grandes médicos humanistas do Brasil e facilitador do grupo Doadores de Alegria, que faz um trabalho voluntário na linha do Doutores da Alegria.
Claudia que é funcionária pública e trabalha no fórum de Itu, doa suas horas vagas programadas de forma sistemática à leitura de livros infantis para os pequenos pacientes do setor de recuperação de queimados Hospital Sanatorinhos.
“Foi necessário um grande preparo mental e espiritual para que eu pudesse enfrentar a barra pesada que é uma área de queimados de um hospital. A primeira vez que entrei nesta ala do Sanatorinhos, quase desisti de tudo. Olhar uma criança deformada, conectada a aparelhos e com a expressão de dor em seus olhinhos é uma coisa muito pesada e que requer um entendimento da condição humana muito grande. Somos muito mais do que um amontoado de carne, pele e ossos. Temos nossa mente, nossa alma, nossa luz interior e infelizmente não somos programados para enxergá-las. Somos condicionados a ver e aceitar uma estética do organizado, do limpinho, do novo, do pasteurizado, da moda, do plástico, do perfeito, enfim do padronizado. Ao entrar num quarto de hospital onde o pequeno paciente teve, por exemplo, um membro amputado, temos que enxergar o humano naquela imagem. Ali está uma pessoa como nós. Uma reflexão a se fazer é se, ao perder parte do corpo ou queimar sua pele, a alma desta pessoa também se fragmenta, se queima? Seus pensamentos também se tornam fuligem? Suas emoções diminuem se um membro é perdido?
Claro que não! Ai entra a leitura...
Nela, os pacientes podem viver aventuras e emoções que naquele momento delicado, seus corpos não permitem. Uma criança pode voar numa história. Lembre-se que nem a mais saudável delas pode voar de verdade. Mas na literatura tudo pode. Podemos nos tornar animais fabulosos, reis e rainhas, bandidos e heróis, enfim tudo o que a mente quiser. E isso liberta. Vou continuar trabalhando pela libertação destas pessoas o que me dá também a gratificação e a possibilidade de me tornar personagem de minhas próprias histórias e das dos outros também...”
Como se pode perceber, estes atos humanitários não tem muitos segredos e trazem benefícios em uma escala quase que inimaginável a toda sociedade.

Papo com um ex-paciente:

Eduardo, hoje com 17 anos , ex-paciente do Instituto de Oncologia do Hospital das Clínicas em São Paulo ainda tem nas mãos as marcas de tantas agulhas de soro que era obrigado a tomar durante a recuperação de uma cirurgia para a retirada de um tumor do baço há cinco anos nos dá uma idéia do quão importante é o trabalho de humanização nos hospitais.
“Eu tinha doze anos quando ao fazer uma radiografia devido a uma dor insuportável em minha barriga o médico descobriu um nódulo em meu baço. Minha mãe ficou muito abalada apesar de tentar manter uma aparência de calma. Eu fiquei muito confuso, pois na minha cabeça, achava que eu era culpado pelo sofrimento que causava a ela. Foi no hospital, depois da cirurgia, que descobri outras também crianças que tinham passado por coisa semelhante a que passei e que isso não era culpa de ninguém. São coisas da vida. Esse contato com essas crianças foi fundamental para mim e só foi possível graças ao pessoal do Viva e Deixe Viver que promovia leitura de livros em pequenos grupos e que facilitavam a integração destas crianças. Lembro-me muito bem de uma mulher que se chamava Flor-de-Lis - Acho que era seu apelido, né? - e que leu um capítulo do livro “ O Caneco de Prata” ( Obra de João Carlos Marinho que narra uma excelente aventura da turma do Gordo – Editora Global).
Ficamos tão empolgados com a leitura que ela prometeu que estaria lá no dia seguinte para ler o próximo capítulo. Nesta noite eu nem dormi direito pensando na continuação da aventura. Nem me importei com as inúmeras picadas e o mal-estar causado pela quimioterapia.
No dia seguinte, no horário combinado, lá estávamos todos numa sala para a continuação da história e como prometido, a Flor-de-Lis apareceu e contou mais um capítulo. Ela era fantástica e dava um tom todo especial à aventura. Fazia vozes engraçadas e suas expressões acompanhavam as dos personagens.
Ao terminar, Flor nos disse que no dia seguinte não poderia vir mas prometeu que a história continuaria no mesmo lugar e horário.
Virou-se para mim e deu em minhas mãos uma cordinha toda colorida, e uma caixinha de papelão e me falou:
“Dudu: Neste exato momento eu lhe transmito a Corda da Contação! Esta corda tem poderes mágicos que vão lhe ajudar na contação do próximo capítulo do livro. Nesta caixinha, está o livro, que será lido para todos deste grupo amanhã, neste mesmo horário. Ao acabar, você deve colocar a caixinha nesta prateleira e depois de amanhã você deve passar a cordinha e a caixinha para o Carlos (outro paciente da ala) e vocês devem prometer que todos vão ler pelo menos um capítulo do livro!”.
Isso foi incrível, pois me senti ultra valorizado e responsável. Meu grupo ficou super entusiasmado e por incrível que pareça, cada um de nós tivemos a oportunidade de ler um capítulo de forma organizada e civilizada. Acho que se fosse na escola, isso nunca aconteceria. Aprendemos uma lição de cidadania num quarto de hospital! Todos nós ferrados, doloridos, dopados e entubados e ainda assim com auto-estima lá em cima e organizados, fazendo acontecer.
O que mais pode ser isso senão cura? No dia em que tive alta, fiz questão de visitar Flor-de-Lis em outro andar e pude presenciar mais uma cerimônia de entrega da Corda-da-Contação. Para seu novo “súdito”. Trocamos um sorriso gostoso e depois daquilo nunca mais a vi. “Tenho certeza de que ela era um anjo...”

A ciência do riso e do entretenimento

Estudos mostram que o contato humanizado nos ambientes hospitalares contribuem de maneira bastante significativa para uma recuperação mais rápida dos pacientes. O nível de estresse dos pacientes e funcionários dos hospitais se reduz com a presença dos grupos de leitura e entretenimento nas chamadas áreas de tensão. Desde o sistema imunológico, passando pelo cardiovascular, respiratório e até mesmo a resposta à dor são influenciados pela mudança de rotina e da estimulação sensorial pelo envolvimento com as atividades promovidas conforme atestam estudos feitos pelo Dr. Peter Spitzer, médico e diretor da Humour Foundation em Sydney na Austrália, entidade de apoio ao humor e humanização no meio hospitalar presente também nos EUA.

Norman Cousins foi o primeiro paciente que, em 1969 fora objeto voluntário de estudos que em conjunto com seu médico o Dr. Hitzing fizera análise de níveis de hormônios, endorfinas e inflamação de tecidos antes e depois de uma sessão de filmes de comédia e leitura de textos engraçados e comprovaram a influência fisiológica do riso e suas alterações na química do corpo. Desde então inúmeros estudos tem comprovado a significante melhora em pacientes expostos ao riso e entretenimento em comparação aos que não tem apoio outro além do tratamento convencional.
No Brasil, dados da UNIFESP- Universidade Federal de São Paulo atestam que o trabalho de grupos como o Doutores da Alegria ou o Viva e Deixe Viver , tem contribuído substancialmente para a melhoria do ambiente hospitalar e a recuperação de pacientes com a melhoria de suas auto-estima e são parte importante da rotina dos principais hospitais do país, especialmente nos centros de tratamento de câncer, onde os pacientes têm uma estadia mais longa e são submetidos a procedimentos rotineiros muito estressantes.

Viva e Deixe Viver - Uma história de sucesso

Valdir Cimino Diretor - Fundador do Grupo Viva e Deixe Viver nos conta como tudo começou:”Desde 1993 vinha ajudando as crianças do Hospital Emílio Ribas através de diversas formas, comprando brinquedos para as festas que periodicamente eram realizadas, para os bingos, e organizando a arrecadação de tíquetes refeição para a compra de leite. Com o passar do tempo, senti vontade de conhecer um pouco mais as crianças quem eu estava ajudando, e com uma idéia vaga do que gostaria de fazer, ou seja, observar o mundo sob um outro ângulo, os olhos das crianças, o que sentem o que pensam o que querem - o que seria muito fácil, pois já tivemos esta oportunidade um dia - difícil seria entrar em um mundo onde a maioria destas crianças se encontra doentes, carentes, como se não bastasse muitas sem família.Um dia, com minha sobrinha Violeta ao telefone, contei sobre como o ambiente hospitalar põe medo nas crianças, e disse o quanto gostaria de transformar isso, nem que fosse só um pouquinho. Então Violeta me ouviu e disse: "Tio, leia para elas".Rapidamente planejei uma forma de contar histórias, na noite anterior à minha apresentação. Desplanejei tudo, e sabe por quê?...
Através de uma conversa com Wellington Nogueira amigo há mais de 15 anos, que também é o Dr. Zinho do Doutores da Alegria, entendi que para se estar com crianças não é necessário planejar nada, tudo vale. Basta ligar o motor da atenção e do respeito que elas merecem. Entendi que desse modo, qualquer lugar pode se transformar num lugar encantado. E foi assim que resolvi dar asas à minha imaginaçãoNo dia 17 de agosto de 1997, dei início ao que posso chamar de um salto quântico em minha vida. Daí para frente passei a ouvir mais e falar o essencial, ter mais cuidado com minhas "palavras", permitir que o Pinóquio e Gepeto possam receber a ajuda dos Powers Rangers para sair da barriga da baleia, a Cinderela pode até ter joanete e nós, adultos, podemos até nos sentirmos felizes ao ouvir um "não" como esse: "não, hoje eu não quero ouvir história". É isso mesmo! Um não pode ser muito importante para quem não pode nunca negar as agulhas, os remédios, os tratamentos de um hospital. Atualmente o voluntariado vem sendo um assunto que vem sendo muito discutido no Brasil. Mas esse assunto há muito tempo faz parte da essência humana: caridade, amor, tolerância e muitos outros valores positivos. Exercitá-lo é o que faz a diferença.Viva e deixe viver é um exercício de cidadania, é a capacidade e a possibilidade de construir ou transformar, é a cooperação dos nossos "contadores e fazedores de histórias" para um mundo mais digno, em especial para as nossas crianças que farão do Brasil um País mais feliz.”
( Assessoria de imprensa do Viva e Deixe Viver)




Você também pode participar


Viva e Deixe Viver:
Para tornar-se um voluntário contador de histórias da Associação Viva e Deixe Viver, é necessário passar por um Proceso de Seleção e Treinamento, oferecido anual e gratuitamente pela entidade. Para participar, o candidato a voluntário deve aguardar a abertura de inscrições e, nesta ocasião, preencher o formulário que estará disponível no site, aguardando posterior convocação para o treinamento.
Você pode também ser um mantenedor.
Para mais informações acesse

http://www.vivaedeixeviver.org.br/como_ajudar

Doutores Da Alegria:
Por que contribuir com os Doutores da Alegria?
A causa de levar a arte do palhaço a locais inusitados, e proporcionar a experiência da alegria a públicos como a criança hospitalizada, é uma causa da sociedade.
Associando-se aos Doutores da Alegria você ou sua empresa tem a oportunidade de se tornar co-responsável pela causa da disseminação da alegria.
Saiba mais:

www.doutoresdaalegria.org.br

UNIFESP – PROJETO: BIBLIOTECA VIVA EM HOSPITAIS

CONTATOS:Roseli Monteiro Robles – Serviço Social da Pediatria – 9º andar – HSPTelefone: 11 5576 4323

http://www.unifesp.br/spdm/hsp/humaniza/p33.htm

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